De Río Gallegos a Río Grande: rumo ao "fim do mundo” | 024
"'E se’ são duas palavras tão pequenas. Mas juntas, elas carregam o peso de todas as coisas que poderiam ter sido."
✍️ nota da autora¹: postal enviado excepcionalmente nessa segunda por motivos de também mereço aproveitar o feriadão :)
✍️ nota da autora²: esse é mais um dos capítulos da viagem de carro que fiz pela Argentina em 2018. o trajeto é contado de forma “cronológica”, com muitas memórias, sentimentos e aprendizados que carrego até hoje. se quiser acompanhar desde o início, recomendo ler os postais anteriores.
Depois do balanço da viagem e decididos a chegar no Ushuaia, ainda tínhamos mais algumas paradas estratégicas pela frente. Río Gallegos era uma delas.
A última “grande” cidade no caminho antes de alcançarmos finalmente o Ushuaia.
Assim que chegamos na nossa hospedagem e ligamos a TV, descobrimos uma paralisação nacional por parte dos caminhoneiros. Até resgatei um story que fiz no momento que descobrimos isso kkkkkrying
Não se sabia ao certo quanto tempo duraria, e isso já foi o suficiente para gerar filas imensas nos postos de combustível. Inclusive, não estávamos com o tanque vazio, mas abastecemos o máximo que podíamos por precaução, afinal, se a gasolina acabasse, estávamos muito ao sul do país, o que significa que poderia demorar mais tempo para chegar após a normalização.
O que nos tranquilizava é que tínhamos combustível suficiente para chegar até Ushuaia, onde ficaríamos hospedados por mais dias. Se fosse preciso esperar lá, esperaríamos.
Mais tarde, ainda em Río Gallegos, fomos ao supermercado, e lá a coisa parecia estar mais tensa. Do lado de fora, havia tambores em chamas, pessoas gritando algo que meu nível de espanhol da época não me permitiu entender e um certo caos pairando no ambiente.
Conseguimos entrar e sair sem problemas, mas não dava pra ignorar a inquietação. Foi a primeira vez que sentimos, de verdade, que algo poderia dar errado. E, mesmo assim, seguimos em frente.
No caminho, outra parada estratégica foi Cabo Virgenes, a última cidade que dormimos antes de finalmente entrar na “Tierra del Fuego”. E por que precisávamos fazer isso? Porque Ushuaia faz parte da Terra do Fogo.
Para chegar lá, é preciso cruzar o Estreito de Magalhães, uma passagem que liga o Oceano Atlântico ao Pacífico, contornando a ponta da América do Sul. Como não tem uma ponte para ligar ambos os lados, é preciso fazer esse trajeto de balsa.

Saímos cedo de Cabo Virgenes para pegar a estrada que nos levaria até a balsa para cruzar o Estreito de Magalhães. A travessia foi tranquila e durou cerca de 20/30 minutos.
Quando desembarcamos, estávamos em território chileno. Dirigimos por mais alguns quilômetros até antes de reentrar na Argentina e seguir rumo ao Ushuaia. Nesse trajeto, passamos por três fronteiras. Saímos da Argentina, entramos no Chile, saímos do Chile e voltamos à Argentina.
É um vai-e-volta burocrático e curioso, mas isso só reforçou o quão especial é chegar ao fim do mundo. 🥲
Foi só nesse momento que começamos a entender que o Ushuaia estava logo ali.
Antes de seguirmos direto, dormimos em Río Grande, uma cidade cinza e gélida. A hospedagem foi bem simples e não nos deixou as melhores lembranças, mas a maior preocupação naquele ponto era a estrada até o nosso destino final.
Como era o forte do inverno, sabíamos que a partir dali começaríamos a pegar neve acumulada na pista. Chegando na cidade já vimos neve na pista, mas sabíamos a estrada até Ushuaia era recortada por penhascos e curvas fechadas, o que exigia ainda mais atenção e nos deixava tensos.
E aí a empolgação se misturava com a ansiedade que se misturava com o medo que se misturava com a esperança que se misturava com a coragem ad infinitum ∞
Foram muitos os momentos em que o medo de estar tão longe de casa, com tantos imprevistos possíveis, pesou. De verdade.
Ao mesmo tempo, se tivéssemos “calculado” tudo isso antes, talvez não teríamos saído de casa, com medo do que encontraríamos no caminho. Mas acreditamos que a estrada sempre dá o que você precisa, então fomos com medo mesmo.
Em Comodoro Rivadavia, fizemos um balanço da viagem e do dinheiro, para garantir que seria possível ir até o fim e voltar. Mesmo com os cálculos sob controle, a cabeça criava cenários: e se fechassem as fronteiras? e se o carro desse problema? e se…?
Mas ali, entre fronteiras, rajadas de vento e caminhos cobertos de branco, começamos a entender que tudo também podia dar certo. Que a gente tinha feito tudo com cuidado. E que, apesar dos medos, estávamos mais perto do Ushuaia do que nunca.
No próximo postal, levarei vocês até o fim do mundo e o começo de um monte de outras coisas. Até láá! 👋